Quando escolhi a Nicarágua como o destino da minha grande viagem em 2018 estava longe de prever que o país estaria em conflito aquando da minha visita. Com os bilhetes de avião comprados em janeiro e uma série de estadias apalavradas, comecei a ouvir falar do conflito na Nicarágua semanas antes da partida.
Quando o presidente Ortega anunciou o aumento de impostos e cortes nas reformas foi a gota de água para o povo nicaraguense. As manifestações contra o governante e respectivo executivo começaram pela mão dos universitários, mas logo se estenderam a todo o país.
Bloqueios de estrada encontrados na capital, Manágua
Tomar o pulso ao conflito na Nicarágua
Em vésperas de viagem estava eu a contactar os nossos amigos expats que lá moram ou quem conhecíamos e que se encontrava no local em férias. A informação era de que existiam manifestações em várias cidades e bloqueios de estrada, mas nada indicava que a situação estivesse a agravar. Decidimos ir em frente.
O que encontrei foi um país em tumulto, mas nunca me senti insegura. As deslocações eram mais demoradas porque os bloqueios eram muitos, apenas deixando passar viaturas de tempos a tempos. Mas saindo da estrada e das cidades principais, como Manágua, para a linha costeira, pouco se dava conta do que estava a acontecer. Tirando os comentários que eram trocados frequentemente entre turistas e habitantes locais.
Um povo maravilhoso…
O tema de conversa não podia ser outro: o conflito na Nicarágua. Dos responsáveis pelos alojamentos onde fiquei, ao senhor com quem me sentei a beber um café ao lado da sua pequena loja, todos com quem falava lamentavam a situação. “Estamos tristes com o que está a acontecer e não queremos que fiquem com uma má impressão nossa ou do nosso país. Queremos que voltem um dia a visitar-nos”, disse esse último, sublinhando o seu receio de que toda esta situação se transforme naquela que é vivida na Venezuela.
Nas barricadas foram várias as vezes que parámos, saímos do carro e abordámos os homens que estavam de pedra (literalmente) e cal a cortar a estrada. De caras tapadas e semblante sério — para muitos, assustador —, começavam a explicar-nos de forma calma e correta que não nos podiam deixar passar. Estavam a defender os seus direitos, a lutar contra um governo ditatorial e pediam a nossa compreensão. “Por uma Nicaragua livre!” lia-se por toda a parte.
Num bloqueio de estrada, perto de Granada, chegaram a distribuir um pequeno papel pedindo desculpa aos condutores pelo incómodo causado.
Papel distribuído num dos bloqueios de estrada que encontrámos
Apesar dos protestos serem pacíficos, a verdade é que já morreram ou ficaram feridos dezenas de nicaraguenses, em situações de conflito com a polícia.
…mas em perigo
Apesar desta contagem negra ser um dos resultados mais tristes de todo o conflito na Nicarágua, outro aspecto está a deixar o povo preocupado.
Durante os últimos anos, a Nicarágua afirmou-se como um dos melhores destinos turísticos da América Central, chegando mesmo a ultrapassar a vizinha Costa Rica. Os turistas começaram a virar-se para este país pela sua beleza natural, passado cultural, segurança, e, claro, pelo seu surf. Toda uma economia começou a desenvolver-se em torno deste sector.
Porém, a atual situação interna tem afastado os estrangeiros e isso tem-se refletido no negócio, com consequências terríveis para as pessoas e respectivas famílias que daqui tiram o ganha pão.
Durante a minha estadia tomei conhecimento de vários alojamentos que decidiram mandar para casa uma série de trabalhadores. A atual afluência de clientes parece não justificar a sua presença e respetivo gasto. Isto, aliado ao facto de tudo estar a acontecer na época baixa e começo das chuvas.
Uma das muitas sessões passadas dentro do carro nas estradas da Nicarágua
Conflito na Nicarágua sem fim à vista
Neste momento não vos posso garantir que uma viagem à Nicarágua seja calma e livre de perigo. As manifestações, bloqueios de estrada, confrontos com as autoridades continuam e, até à data, sem fim previsto.
Podem sempre se aventurar e, do que pude experienciar, serão bem recebidos pelos nicaraguenses. A “guerra” deles é com o governo e não com os turistas. E, depois, têm sempre a vantagem de poder visitar o país com menos turistas que o habitual.
Decidi não deixar de escrever os artigos que tenho em mente sobre a Nicarágua. É a minha maneira de ajudar o povo e garantir que o país deles continua a ser um destino de viagem. Uma pequena contribuição para que as pessoas continuem a ter emprego e para que os últimos acontecimentos não sejam a única imagem que temos de lá.
Uma coisa vos garanto: o país é lindo e vale bem a pena visitar! E mesmo que não seja agora, que seja num futuro próximo, quando, esperemos, as coisas estejam mais calmas.
[Tweet “”Não queremos chegar ao ponto a que chegou a Venezuela” – Habitante da Nicarágua”]
Os Meus Conselhos Para Uma Viagem em Tempo de Conflito
- Antes da viagem, informe-se bem sobre o que está a acontecer. Leia notícias, consulte as entidades oficiais (ex. em Portugal: Ministério dos Negócios Estrangeiros). Tente falar com alguém que esteja no país ou que tenha estado recentemente
- Dê a conhecer a familiares e amigos o seu roteiro
- Vá dando notícias frequentes sobre as suas movimentações durante a viagem
- Leve o número da sua embaixada ou consulado
- Mantenha-se informado sobre as últimas notícias e sobre os locais que deve evitar
- Fale com os habitantes locais. Eles podem aconselhá-lo/a melhor ou até ajudar em caso de perigo
- Não entre em confronto com manifestantes ou autoridades. Tenha uma presença humilde e compreensiva sobre a situação
- Tenha sempre presente o passaporte. Ou ande com uma cópia e guarde o original num local seguro
- Não ande com o dinheiro todo junto. Divida-o em parcelas e guarde-o em sítios diferentes (em si, na bagagem, no carro…)
- Tenha sempre alguma quantia à mão, caso precise dar para sair de uma circunstância mais complicada
- Dependendo da evolução da situação, pode sempre optar por interromper a viagem. Assegure a sua segurança acima de tudo.
Estas são apenas algumas dicas que julgo serem importantes. Bem, algumas são essenciais independentemente do país que visitamos. Se tiverem outras para partilhar, escrevam na caixa de comentários. E se já estiveram num país em conflito, contém a vossa experiência. Vou adorar saber mais!
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2 COMMENTS
Filipe Morato Gomes
5 anos agoAs entidades oficiais são por defeito muito defensivas e, por isso, raramente são uma fonte de informação decisiva nestes casos. Por “eles”, genericamente falando, quase todo o mundo é perigoso e desaconselham sempre as “viagens não essenciais” – como gostam de chamar ao turismo. Falar com locais, filtrar as notícias, medir o risco e decidir pela própria cabeça seria o meu conselho. 🙂
P.S. Está bonito o blog .
Marlene Marques
5 anos ago AUTHORObrigada, Filipe! 🙂 Esse é também o meu conselho. Conhecimento local e avaliação de risco têm que estar sempre na mente quando viajamos para destinos tidos como instáveis ou perigosos. Um beijinho!