Cláudia enche o peito de ar e orgulho quando é convidada a falar da primeira obra de street art que surgiu na Quinta do Mocho.
A parede exterior do prédio de três andares causa impacto. Nela surge, desde 2014, um retrato da autoria do artista Nomen que mostra uma mulher de cor a retirar (ou será a pôr?) uma máscara de um rosto branco.

“Esta imagem representa quem nós somos.” diz a guia, contando que “durante toda a vida tivemos que esconder quem éramos ou de onde vínhamos porque a Quinta do Mocho sempre teve a pior fama. Hoje já não.”
Estou num bairro social em Sacavém, no concelho de Loures, às portas de Lisboa. A Quinta do Mocho nasceu para albergar muitos dos imigrantes africanos e retornados das ex-colónias, nos anos 1970, que ali assentaram raízes.
Os prédios são todos iguais, da mesma cor. Ruas e ruas que se entrelaçam e de onde sobressaem os estendais com roupa em pleno passeio, as peças de mobiliário abandonadas e as cabras a passearem nos espaços ajardinados.


Fui até lá para conhecer aquela que é hoje a maior galeria de street art de Lisboa e da Europa. A mesma que veio dar nova vida àquele bairro e às pessoas que por lá permaneciam escondidas da sociedade.
“Era assim que nós nos sentíamos”, continua Cláudia sobre a peça de Nomen. “Sempre que saímos do bairro tínhamos que colocar uma máscara e esconder que éramos daqui. Aconteceu comigo. Trabalhei em hotelaria durante muitos anos e, quando chegou a altura de me fazerem um contrato, disseram-me ‘Gostamos muito do teu trabalho, Cláudia, mas não te podemos fazer contrato porque és da Quinta do Mocho’…”
Ouço esta história com um nó da garganta. Como é que o local de onde as pessoas vêm as define por completo aos olhos dos outros? Sem deixar hipótese de mostrarem quem realmente são…
“Mas hoje tenho orgulho de dizer que sou da Quinta do Mocho!”, diz a jovem, cuja a idade aponto para entre os 20 e os 25.
Abandonou os estudos cedo, mas fez-se mulher e independente, trabalhando em conjunto com a Câmara Municipal de Loures e tornando-se guia do seu próprio bairro.
E Cláudia conhece-o como as palmas da mão, bem como cada uma das cerca de 100 peças de street art que trouxeram vida e cor ao local.

Nomen terá passado meses na Quinta do Mocho, a conhecer os habitantes do bairro, a tomar pulso ao local, e a transpor o sentimento de todos para a parede daquele prédio. Como ele estiveram uma série de outros. Artistas nacionais e internacionais fizeram questão de ir pintar as paredes do Mocho e associar-se ao projeto.
Bordalo II e Vhils são apenas dois nomes do conjunto de artistas portugueses que por lá passou e a quem se juntaram outros tantos estrangeiros, como Astro Odv e Eva Bracamontes.


Mas as mais recentes pinturas nas paredes do bairro são talvez das mais importantes dos últimos tempos: as placas com os nomes das ruas da Quinta do Mocho.
“Antes cada rua era um número, um lote, apenas isso. E cada vez que alguém chamava uma ambulância, o carro andava perdido a tentar achar a casa correta. E chegou a haver ocasiões em que chegaram tarde demais…”.
Esses tempos passaram e a Quinta do Mocho está hoje diferente. Os habitantes continuam a olhar desconfiados para os estranhos que por lá se passeiam, mas mais habituados à movimentação de pessoas de fora.
Quem chega pela primeira vez estranha o lugar, sente-se fora da sua zona de conforto. Mas Cláudia está lá para receber todos os que quiserem visitar a sua “casa-museu”.

Organiza visitas-guiadas todos os últimos sábados de cada mês. São três horas a percorrer as ruas da Quinta do Mocho, a suspirar a cada esquina que se vira, a conhecer as histórias por detrás de cada obra que representa o melhor da street art de Lisboa.
Street art da Quinta do Mocho em Lisboa

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