
Imagine este cenário: um grupo de homens e mulheres amontoa-se na praia junto à água. Os olhos estão postos nas ondas, enquanto cordas mexem junto aos pés, puxadas por um trator que está mais atrás.
Os rostos, os braços e as pernas estão fortemente bronzeados. É o reflexo de horas infindáveis ao sol. Uma cor que nunca se perde e que parece que já vem das gerações passadas.
Ao lado acumula-se uma pequena multidão de transeuntes, atraídos por aquele ambiente de antecipação. Estão a assistir a uma das formas de pesca mais tradicionais de Portugal: a arte xávega.
O passado da arte xávega
Já tinha ouvido falar da arte xávega anteriormente, mas deparei-me com ela quando andei entre as praias da Tocha e de Mira a preparar o roteiro sobre as Terras da Gândara. De pés na areia e com as gaivotas loucas à espera do que a rede trazia, também eu andei no areal a rondar os pescadores e a ver esta arte ancestral posta em prática.
Na realidade, a arte xávega é uma prática que vem desde a antiguidade, quando as civilizações do Mediterrâneo usavam barcos pequenos e redes para pescar. Com a ocupação muçulmana da Península Ibérica, ela tornou-se mais conhecida, espalhando-se pela Andaluzia e pelo Algarve.


Os melhores lugares para ver a arte xávega
As manobras envolvidas na arte xávega, quer pelos barcos como pelos tratores, precisam de praias com areia para funcionar, e isso é algo que não falta na costa portuguesa.
Hoje em dia, esta técnica de pesca ainda é vista praias como Espinho, Vagos, Tocha, Vieira de Leiria, Mira, Fonte da Telha, Sesimbra e Lagos.
Apesar da temporada da arte xávega ir de março a novembro, a melhor altura para a ver é no verão, nomeadamente entre junho e agosto, quando o mar está mais calmo e há fatura de sardinha.
Se quiser assistir a todo o processo, vá logo de manhã, uma vez que os barcos partem cedo para lançar a rede.
Quando o peixe chega à praia é separado por lotes e é aí que até o pode comprar. Em algumas praias, como em Mira, basta falar com o pescador responsável no local e comprar diretamente. Mas em noutros lugares terá de ir até à lota e participar no leilão.
Os peixes mais comuns são o carapau, a cavala, a sardinha, o biqueirão e a lula, mas não estranhe se na rede surgirem cações, raias ou douradas.


Desafios e controvérsias
Apesar da arte xávega ser uma tradição muito antiga em Portugal e ainda presente nas comunidades piscatórias locais, há quem não olhe para ela com bons olhos.
Ela é legal, mas há preocupações quanto à sua sustentabilidade.
O grande problema apontado é a falta de seletividade na pesca. A pesca por arrasto leva à captura de peixes pequenos, prejudicando o desenvolvimento de certas populações e o próprio ecossistema marinho.
Com o passar do tempo, também o número de embarcações e pescadores da arte xávega tem decaído, o que afeta a quantidade de peixe pescado, gerando debates sobre sua viabilidade e impacto ambiental.
Há ainda quem se queixe do estado em que a praia fica após a realização desta pesca, com o areal coberto de detritos de peixe e restos de plástico.
Estes são desafios e controvérsias que exigem atenção e ações. É muito importante preservar a tradição, mas também enquanto protegemos o meio ambiente.
O Centro de Interpretação da Arte Xávega (CIAX) foi inaugurado na Praia da Tocha, em Cantanhede, com o objetivo é proteger este património cultural. Este é um espaço que documenta várias das suas memórias sociais e mostra o valor da pesca artesanal e sua importância cultural.
Sem dúvida que reconhecer a preservação da arte xávega mantém esta tradição viva e destaca o seu valor para a identidade cultural portuguesa. Agora resta explorar novas maneiras de manter esta conexão entre a comunidade e o mar e, simultaneamente, preservar os ecossistemas onde ela opera.
