O pequeno avião de hélices aterrou na pista do aeroporto Fez-Saïss e ao contrário do que seria de esperar, não fui invadida por uma lufada de ar quente ao abrir da porta. Estava em Fez, antiga cidade imperial de Marrocos, para iniciar uma viagem de quatro dias pelo norte daquele país magrebino e o calor ainda não estava insuportável.
Apenas 1h40 separa esta cidade marroquina da capital portuguesa. Tão perto e ao mesmo tempo um mundo afastados quando pensamos o quanto esta cultura, este povo, é diferente.
Bem, para dizer a verdade, os portugueses podem muito bem ter nos seus genes alguma da herança marroquina. A história dos dois países cruza-se e faz-nos sentir que, se calhar, tal como acontece em relação a Espanha, há ali uma cumplicidade inegável.
Fundada há 1200 anos e considerada Património Mundial da Humanidade pela UNESCO em 1981, Fez é conhecida pela sua gigantesca medina.
E que melhor maneira de começar esta viagem do que ter uma visão mais ampla sobre este espantoso local.
No topo de um monte, logo pela manhã, lanço um olhar panorâmico sobre a cidade. Vistas de longe, as construções formam um aglomerado de tijolo branco, que contrasta com o castanho da terra e a vegetação que rodeia os cerca de 12 km de muralha que delimita a medina. É proibido construir no exterior, o que permitiu o desenvolvimento dessa mancha verde que agora parece abraçar a antiguidade.
Fez é cheia de tradições que vêm do tempo dos antigos reis, alguns deles sepultados nas colinas junto da medina. Já no interior, cerca de 180 mil pessoas vivem ali. Fazem a sua vida, casam, educam os filhos, têm os seus negócios.
No coração de Fez
A paragem seguinte é uma pequena fábrica de cerâmicas. É de peito cheio que me dizem que este local é também uma escola de jovens artesãos.Os azulejos estão espalhados por toda a cidade, da casa mais modesta aos dars e riads mais elaborados. São uma arte ancestral e motivo de orgulho dos marroquinos. Passeio pela fábrica, desde a pequena poça de lama onde o barro é misturado pela primeira vez, passando pela zona de molde, o forno, a construção do ladrilho, a pintura e terminando numa loja tão rica e composta que nem sei bem para onde olhar.
Dali rumo aos souks (ou mercados) que parecem não ter fim. Vêm os vegetais reluzentes, a cabeça de camelo pendurada à porta do talho, o peixe que chega do Mediterrâneo, as cestas de caracóis que encontram caminho muitas vezes até Portugal. Segue-se o metal, com um batuque constante dos homens a trabalhar na forma. Batidas que começam a soar a música.
Os locais já se habituaram ao lufa-lufa dos turistas que por aquelas ruas passeiam e se encolhem para passar nos becos e ruelas estreitas ou abrir caminho às carroças e burros atarefados. Todos de olhos esbugalhados e achando fascínio em todas as bancas por onde passam. Eu incluída.
Olho em redor, espreito para dentro das pequenas lojas. Aceno um bom dia quase sempre retribuído nem que seja com um sorriso. Não senti nenhuma insistência — a mesma que faz a fama (às vezes má) dos marroquinos — em entrar, negociar e comprar, comprar, comprar.
“Os produtos em Fez são de boa qualidade, a melhor!”, garante o guia, Abdelkader Malal. Tem 68 anos, três filhas, um filho e oito netos, diz com orgulho ao mostrar a fotografia da família.
“Chama-me-Abdel” segue pelas ruas com a paciência de quem já faz isto há muitos anos e está disposto a parar a cada esquina para as fotografias inevitáveis, muitas vezes servindo ele mesmo de modelo.
Leva-me até um dos sítios mais bonitos que visitei nesta viagem por Fez: a Madraça Âttarine.
Este local de ensino do Alcorão, que vai buscar o nome ao local onde se situa — o mercado de especiarias — é um verdadeiro regalo para os olhos. Criada entre 1323 e 1325 pelo sultão Abou Said Othman, das paredes às colunas e teto, tudo parece ter sido trabalhado ao ínfimo detalhe e as formas geométricas reproduzidas em azulejo dão ainda mais cor a este cenário.
Curiosamente, a diferença entre o pátio principal, com a fonte ainda em funcionamento, para a câmara mais pequena, utilizada para oração, é notória. As paredes são aqui mais despidas. “Porque quando estamos a rezar não queremos que hajam quaisquer distrações,” refere Abdel.
Tradições que perduram
Saímos da madraça para a zona dos tecidos e aprendemos que pela lei muçulmana, os homens não podem vestir seda. Por isso, é produzida uma mistura entre seda e algodão para que estes não passem ao lado desse rico material.
Um dos últimos pontos de paragem na medina de Fez são os Curtumes de Chaouwara, para conhecer como são feitas as famosas peles de Fez.
Local icónico da cidade, a rede de recipientes em pedra, por entre as quais se movem os homens que trabalham aqui diariamente, quase se assemelha a favos de uma colmeia. Mas, ao invés de mel, suportam tintas das mais variadas cores.
À entrada passam-me para a mão um pequeno ramo de hortelã para fazer frente ao cheiro intenso que se sente no local. Talvez porque não estava muito calor — as temperaturas em Fez podem rondar os 40/45 graus em Julho e Agosto —, não senti que fosse assim tão insuportável.
Este é um dos principais lugares turísticos de Fez e, por isso, para chegar a uma das varandas com vista para os curtumes há que subir um edifício com vários pisos destinado à venda de objetos em pele. Desengane-se de pensar que vai conseguir comprar ali materiais a bom preço. Os valores são inflacionados e um pequeno puff, de qualidade mediana, pode atingir os 900 dirhams (aproximadamente 90 euros). Siga o conselho e tente a sua sorte nas lojas mais pequenas. Pode não ter tanta variedade, mas é bem possível que consiga um melhor preço.
Podia passar vários dias em Fez, a visitar esta incrível cidade imperial de Marrocos, tantos são os cantos e recantos dignos de exploração. Porém, o tempo estava contado desde que pisei a pista do aeroporto Fez-Saïss. É tempo de seguir viagem até à próxima paragem: Chefchaouen!
Locais a não perder em Fez
- Madraça Âttarine (passe aqui algum tempo. Pode ser que, entre a saída de um grupo e a entrada de outro, consiga alguns minutos a sós)
- Curtumes de Chaouwara
- Mesquita Al Quaraouiyine (provavelmente não vai conseguir entrar, mas vale bem a pena espreitar lá para dentro)
- Palácio Real (infelizmente, não houve tempo para lá ir, mas ouvi dizer que as portas do palácio são incríveis)
- Souks
Tome nota!
DORMIR
La Maison Bleue Batha
Localizado na medina, este riad de 1850 virou hotel em 2000 e é daqueles locais dignos de Instagram. Os quartos são poucos, mas muito dignos e cheios de detalhes. Fique numa das suites do rés-do-chão e sinta-se um príncipe ou princesa marroquina.
A grande atração está, como não podia deixar de ser, na piscina central. Parta também à descoberta da cozinha onde dão aulas de culinária marroquina e por onde um dia já passou o Chef Ramsay.
ALMOÇO
Riad Fez
Outra riad maravilhosa na cidade e que tem um ótimo restaurante. O serviço é super atencioso e não se esqueça de perguntar quais as sugestões do dia. Não se vai arrepender!
JANTAR
Palais Faraj
A elevada taxa de ocupação ou até aos valores da estadia podem ser desencorajadores, mas nada impede que vá tomar uma refeição ao lindo Palais Faraj. A minha sugestão é que fique depois para tomar um copo no bar, o qual tem uma vista fantástica.
NOITE
Cafe Clock
Umas escadas apertadas levam aos andares superiores deste café bem no centro da medina de Fez. Suba até ao rooftop e desfrute de uma refeição ou de um chá marroquino a ver o pôr-do-sol sobre Fez.
E você? Já conhece Fez? O que achou desta antiga cidade imperial de Marrocos? Nunca lá esteve, mas gostava de visitar um dia? Partilhe a sua opinião na caixa de comentários.
Conhecer Fez
NOTA EDITORIAL
Viajei a convite do Turismo de Marrocos para conhecer algumas das principais cidades do norte do país. Porém, todas as descrições e opiniões relatadas neste artigo são independentes e resultado da minha experiência.
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6 COMMENTS
Filipe Morato Gomes
4 anos agoParabéns por este post sobre Fez (é uma cidade fantástica!) e boa sorte para esta nova “casa” do blog. Adorei as fotos!
Marlene Marques
4 anos ago AUTHORObrigada, Filipe! Estar convosco foi uma verdadeira inspiração.
Ruthia Portelinha
4 anos agoFoi uma delícia explorar esta cidade imperial em tão boa companhia. Olhares que se cruzam por vezes mas, que depois, tomam caminhos tão distintos. É linda esta diversidade!
Temos que repetir
Marlene Marques
4 anos ago AUTHORClaro que sim! Quando quiseres! Viajar contigo foi um prazer 🙂 Beijinhos!
jose roberto
9 meses agoBom-dia! Voocê tem contato do guia Abdelkader Malal? Meu E-mail é comodo@gmail.com
Marlene Marques
9 meses ago AUTHOROlá, Roberto. Infelizmente, não fiquei com o contacto do guia, uma vez que esta viagem foi organizada pelo Turismo de Marrocos e foram eles que fizeram os contactos locais. Desculpe não poder ajudar.